Efetividade ou inversão de valores? - Cláudio Victor de Castro Freitas
A teoria dos “diálogos institucionais” surgiu no direito canadense, sendo entendida como sendo aquela pela qual se busca a interação entre os Poderes da República para legitimar as ações dos mesmos diante do questionamento sobre qual possuiria as melhores condições para responder casos controvertidos para que sejam devidamente legitimadas.
Através de tal teoria fica destacado que não caberia ao Judiciário simplesmente a última palavra acerca da interpretação da Constituição, exigindo-se, em verdade, uma “interação produtiva entre Poderes”, por meio de argumentos racionais e com o intuito de se permitir decisões sobre pontos acerca dos quais uma ou outra instituição possua mais capacidade/legitimidade e/ou se permitir a uma delas o desenvolvimento/evolução de decisões já tomadas por outra.
Com base em tal teoria, resolver-se-ia o problema do questionamento das decisões judiciais sobre questões políticas, ou seja, a crítica ao ativismo judicial e a dificuldade contramajoritária (ou seja, o decisionismo judicial diante de questões políticas que não seriam atinentes ao Judiciário, mas aos Poderes constituídos pelo voto popular) como maneira de se evitar a colonização do jurídico pelo político.
Segundo a doutrina especializada, “em substituição a uma leitura tradicional da separação dos poderes, a prática dos diálogos institucionais procura evidenciar pelo menos dois aspectos a respeito da formulação de decisões de casos controvertidos. Primeiro, as decisões, tomadas em qualquer um dos poderes, passam a ter um caráter parcialmente definitivo, pois, podem ser contestadas em outras instâncias públicas. Segundo, cada espaço de poder possui características que o potencializam ou o inibem para a realização de tomada de decisões. Isso reafirma a necessidade de canais de diálogo entre as instituições, pois, uma pode ter melhores condições que outra para lidar com o caso concreto em apreço. Destarte, do mesmo modo que o Legislativo costuma adotar um discurso político para jurídicos. Tais diferenças irão complementar o conjunto de discursos produzidos sobre o tema até o momento e conferir novas rodadas deliberativas sobre a matéria”.
A tese dos diálogos apresenta, por isso, uma série de razões para repensar a legitimidade do controle de constitucionalidade e o papel das Cortes na fiscalização legislativa. Isso, porém, não quer dizer que a Corte está a renunciar sua responsabilidade fiscalizatória perante os outros Poderes, mas apenas decide que outros Poderes podem primeiro apresentar remédios para corrigir a violação Constitucional.
Tal tese, segundo o parecer do substitutivo do PL 6787/17 (apresentado pelo Deputado Federal Rogerio Marinho), estaria sendo seguida, eis que integrando a vontade do STF em diversas decisões pelas quais vem reconhecendo a prevalência do negociado sobre o legislado.
Pela sua leitura, teríamos, então, verdadeira aplicação da teoria dos diálogos institucionais, eis que o Congresso seguiria os rumos trilhados genericamente pelo STF, aperfeiçoando, legalmente, o arcabouço no qual se estaria construindo a jurisprudência laboral, demonstrando, assim, não um embate, mas uma complementação de atuações de acordo com as capacidades institucionais respectivas.
Assim seria a verdade nua, se fosse verdadeiramente.
Sob o argumento de respeito ao desejo da manifestação da categoria, bem como ao decidido pelo STF, o Congresso Nacional, em verdade, atuou de forma absolutamente contrária ao órgão máximo competente para matéria trabalhista, qual seja, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), fazendo tábula rasa a sua jurisprudência sedimentada acerca de diversos pontos, ainda que jamais abordados pelo C. STF, em verdadeiro efeito backlash provocado pelo Legislativo. Em lugar de aperfeiçoamento, o embate. Simples assim.
Podemos apontar, a título exemplificativo, diversos pontos sobre o assunto dentro da nova legislação de direito material (alterações da CLT promovidas pela Lei 13.467/17):
(i) artigo 59-B da CLT: afronta à Súmula 85 do TST;
(ii) artigo 71, §4º da CLT: afronta à Súmula 437, I e III do TST;
(iii) artigo 461 da CLT: afronta à Súmula 06 do TST;
(iv) artigo 477-A da CLT: afronta à jurisprudência consolidada na SDC do TST quanto aos requisitos para dispensa coletiva;
(v) artigo 468, §2º da CLT: afronta à Súmula 372 do TST;
(vi) artigo 507-A da CLT: afronta à jurisprudência pacificada da SDI-1 do TST quanto ao impedimento da arbitragem no Direito Individual do Trabalho;
(vii) artigo 611-A, III da CLT: afronta à Súmula 437, II do TST.
Dessa maneira, em que pese a arguição de respeito à Suprema Corte pátria, em verdade o que se observou, sem margem a dúvidas, foi a total relativização da jurisprudência do TST, atuação essa de ausência de diálogo, em verdade.
Reiteramos posicionamento no sentido de entender como necessária uma verdadeira Reforma Trabalhista, mas que analise de forma profunda as mazelas existentes em nossa sistemática legal, permitindo-se a criação de diplomas corretivos e decentes, especialmente com a criação de um Código do Trabalho e Código de Processo do Trabalho, permeando-se o Direito Material ainda pelo princípio da proteção onde devidamente merece ser aplicado (afinal, é a razão de ser da própria disciplina) e evitando, no campo Processual, as diversas interpretações e inseguranças jurídicas quanto à aplicação ou não do CPC (com base no artigo 769 da CLT e artigo 15 do CPC).
Mas para isso ainda se faz necessária uma densa Reforma Sindical (afinal, retirar a compulsoriedade da contribuição sindical não é caminho único a se seguir, se mantidas as bases corporativistas tanto na Constituição quanto na CLT), assim como Reforma Tributária (até porque, como se sabe, existe excesso de tributos e contribuições sobre as atividades empresariais e folhas de pagamento) e, mais ainda, Econômica (para verdadeira retomada de investimentos e reaquecimento da economia especialmente nos ramos mais necessitados).
Mas se não for o desejo do Legislativo a evolução no sentido de exercício de uma justiça efetiva para todos, mantidas serão as bases da forma como foram impostas ao operador do Direito do Trabalho, criando, ao invés de segurança na aplicação dos novos dispositivos, o caos interpretativo e crítico como pano de fundo para o desmantelamento de um quase secular ramo do Judiciário. Infelizmente.
RFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
CLÈVE, Clèmerson Merlin; LORENZETTO, Bruno Meneses. Diálogos institucionais: estrutura e legitimidade. In Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 2, n. 3, set./dez. 2015
HOGG,Peter W.; BUSHELL, Allison A. The Charter Dialogue Between Courts and Legislatures (Or PerhapsThe Charter of Rights Isn ́t Such A Bad Thing After All). Osgoode Hall Law Journal, v. 35, 1997.
POST, Robert; SIEGEL, Reva. Roe Rage: Democratic Constiturionalism and Backlash. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review. 2007; Yale Law School, Public Law Working Paper, nº 131.
Cláudio Victor de Castro Freitas
Juiz do Trabalho do TRT da 1ª Região. Ex-advogado concursado da Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS). Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor universitário (graduação e pós-graduação) e de cursos preparatórios da área jurídica.
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