Uma tese levantada por empresas em meio à pandemia da covid-19 chegou à segunda instância da Justiça Federal e já há pelo menos dois precedentes favoráveis. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que abrange a região Sul, autorizou dois empregadores a repassar à União a conta do afastamento de gestantes do trabalho presencial.
A medida tem sido buscada por empresas que atuam em atividades incompatíveis com o trabalho à distância, como o comércio. Foram à Justiça depois de ser editada em maio a Lei nº 14.151, que exige o afastamento das gestantes do trabalho presencial, com o pagamento integral da remuneração.
Alegam que foram prejudicadas também com a perda da validade da Medida Provisória nº 1.045, de abril, que permitia a redução ou suspensão temporária de salários e jornada de trabalho. "Esse conjunto de fatores onerou as empresas", diz a advogada Camila Machado El-Huaiek.
A solução encontrada, acrescenta, foi entrar com ações judiciais para que o salário-maternidade das gestantes afastadas do trabalho presencial seja adiantado pelo governo. "A empresa está pagando o salário da gestante afastada e precisa contratar um substituto, o que acaba sendo oneroso", diz a sócia do escritório Tocantis Pacheco Advogados, que ingressou com ações para supermercados e varejistas.
Há decisões para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pague o salário-maternidade às gestantes. Mas também ordens judiciais para que a remuneração paga à gestante durante o período de emergência seja enquadrada como salário-maternidade e que o montante seja deduzido da contribuição previdenciária patronal.
No TRF da 4ª Região, o desembargador Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle acatou pedidos de pelo menos duas empresas de Santa Catarina. Ele entendeu que a remuneração paga às gestantes afastadas deve ser enquadrada como salário-maternidade, inclusive para as gestações futuras que começarem durante a pandemia. Determinou ainda que os pagamentos sejam excluídos do cálculo das contribuições previdenciárias patronais, incidentes sobre a folha de salários com alíquota de 20%.
"Imputar-se aos empregadores o custo de tais encargos seria um ônus demasiado pesado em um contexto tão complexo e já repleto de dificuldades, com o aumento de despesas e diminuição de oportunidades de trabalho para as mulheres", diz nas decisões (processos nº 5036796-18.2021.4.04.0000 e nº 5028306-07.2021.4.04.0000).
O magistrado citou ainda dispositivo da Convenção nº 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo o qual "em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega".
Uma das empresas beneficiadas, a rede de farmácias Usimed, com filiais em Tubarão e Braço do Norte (SC), afirma que dos 36 colaboradores mais de 86% são mulheres que desempenham funções incompatíveis com o trabalho remoto. "O empregador ficou sem opção depois da perda de validade da medida provisória que autorizava a suspensão do contrato de trabalho", afirma Felipe de Souto, advogado da Usimed.
Ele conta que propôs ações judiciais também para uma concessionária de veículo e uma confecção industrial. "O que há em comum entre elas é o grande número de empregadas mulheres", diz o sócio do Costa & Souto Advogados.
São Paulo
Em São Paulo, há sentença favorável a uma prestadora de atendimentos médicos de emergência a hospitais. E no Tocantins, uma liminar proferida pelo Juizado Especial Cível e Criminal Adjunto à Vara Federal de Gurupi beneficia um supermercado e uma funcionária que trabalha no caixa.
Ao conceder a liminar (tutela antecipada), o juiz Eduardo de Assis Ribeiro Filho, de Tocantins, esclareceu que o benefício não pode ser descontado daquele que faz jus a empregada durante a licença-maternidade. "O benefício excepcional aqui previsto deverá vigorar até a data do nascimento da criança ou até o fim da emergência em saúde pública. O período de pagamento na presente situação não acarretará desconto do prazo dos 120 dias após o parto a que tem direito a empregada em vista da necessidade de proteção da família e da criança", diz (processo nº 10023807120214014302).
O salário-maternidade é um benefício previdenciário, concedido durante o período de licença-maternidade. A empresa paga, mas pode deduzir o montante da contribuição previdenciária recolhida ao INSS. O limite da dedução é o equivalente ao salário mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal - atualmente em R$ 39,2 mil.
"O que passar desse valor não pode ser descontado na contribuição previdenciária a pagar", explica o advogado Pedro Ackel, sócio do WFaria Advogados. "Se uma executiva ganha R$ 50 mil de remuneração e receber esse valor de salário-maternidade, a empresa só vai poder descontar R$ 39,2 mil da contribuição previdenciária", completa.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que os pedidos devem ser negados porque é indispensável autorização em lei para a concessão ou extensão de benefícios e compensação de contribuições previdenciárias, inclusive no contexto da pandemia. Também por meio de nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que vai se manifestar nos processos.
Na Câmara dos Deputados, aguarda votação em plenário um projeto de lei (PL) que tenta resolver a situação. O PL nº 2058 autoriza o empregador a suspender temporariamente o contrato de trabalho da gestante, que terá direito a receber o Benefício Emergencial do Emprego e da Renda. Essa possibilidade estaria aberta, segundo o PL, quando a atividade da gestante for incompatível com o trabalho à distância.
Fonte: valor Econômico
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