Motorista foi beneficiado por decisão tomada pelo TRT da 4ª Região.
Trabalhar todas as semanas e quase todos os dias por meio de um aplicativo de transporte preenche o requisito da não eventualidade descrito no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, portanto, gera vínculo empregatício.
Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) para reconhecer a relação de emprego entre um motorista e a plataforma 99 Tecnologia Ltda, uma decisão que se choca com a linha adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar casos desse gênero.
A decisão foi provocada por recurso ordinário em que o reclamante pediu o reconhecimento do vínculo, com anotação na carteira de trabalho, devendo constar a função de motorista, o salário de R$ 2 mil e o pagamento de férias vencidas.
Ao analisar o caso, o relator da matéria, desembargador Ricardo Carvalho Fraga, ponderou que a natureza do trabalho exercido por meio de plataformas ainda é uma questão inconclusa e apresentou uma série de entendimentos conflitantes sobre o tema.
Ao decidir, o julgador apontou que, em seu entendimento, a solução para o conflito está no artigo 3º da CLT, que considera empregada toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual mediante salário.
“O requisito da ‘não eventualidade’, com variação maior nos diversos casos, é verificável pela própria frequência”, defendeu ele. Segundo o magistrado, conforme o extrato de frequência presente nos autos, ficou demonstrado que o autor da reclamação trabalha todas as semanas e quase todos os dias, configurando-se, assim, a regularidade necessária para caracterizar o vínculo pela legislação trabalhista.
O relator também apontou que a 99 não apresentou comprovantes que demonstrassem que a renda obtida pelo motorista era inferior ao pedido e, diante disso, considerou os valores da petição inicial.
Por fim, ele negou ao trabalhador o pedido de indenização por danos morais, mas reconheceu o direito ao recolhimento de verba previdenciária, e condenou a 99 ao pagamento dos honorários advocatícios. O entendimento foi unânime.
STF x Justiça do Trabalho
As relações de trabalho entre profissionais e aplicativos têm provocado atritos entre a Justiça do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal. No último dia 15 de novembro, o ministro Gilmar Mendes fez críticas contundentes à falta de observância de alguns juízes trabalhistas às teses fixadas pelo STF.
Na ocasião, ele anulou um acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) que reconheceu o vínculo empregatício entre um motorista de aplicativo e a plataforma Cabify (que não atua mais no Brasil) — decisão muito semelhante à do TRT-4 contra a 99.
Gilmar afirmou que o acórdão do TRT mineiro desrespeitou precedente do Supremo sobre o tema. E ele disse ainda que o Tribunal Superior do Trabalho tem colocado sérios entraves às opções políticas feitas pelos Poderes Executivo e Legislativo.
“Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria.”
O ministro defendeu que se a Constituição Federal não impõe um modelo específico de produção, não faz sentido manter as ”amarras” de um modelo que vai na contramão da tendência global.
“É essencial para o progresso dos trabalhadores brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos, entendida esta como balizamento do poder regulatório para evitar intervenções na dinâmica da economia incompatíveis com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.”
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Processo 0020223-47.2023.5.04.0384
Fonte: ConJur
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