Uma recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) dá mais força para o mercado de compra e venda de créditos trabalhistas, que está em alta em meio à pandemia. O ministro Douglas Alencar Rodrigues admitiu a possibilidade de cessão a terceiros, apesar de ter negado o pedido na ação por questões processuais.
A crise e a demora da Justiça para a resolução de um processo – são seis anos, em média, para o encerramento – aqueceram esse mercado. Fundos de investimento e empresas especializadas passaram a investir no negócio, em razão dos juros baixos. Têm comprado créditos trabalhistas com deságio que varia entre 25% e 75%.
A transferência, porém, depende do aval do juiz do caso, que nem sempre aceita a possibilidade por entender que os direitos dos trabalhadores são indisponíveis. Não há na legislação trabalhista previsão específica. A cessão de direitos está apenas prevista no artigo 286 do Código Civil.
As decisões contrárias são, em geral, fundamentadas no Provimento nº 6, editado em 2000 pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho (CGJT). A norma impede a cessão de créditos trabalhistas. Esse posicionamento foi confirmado em 2008, pelo mesmo órgão, por meio do artigo 100 da Consolidação dos Provimentos. E com base nele, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, responsável por consolidar a jurisprudência, negou em 2009 um pedido (RR – 632923-19.2000.5.04.5555).
“Nem todo juiz aceita. Dependendo do processo, o fundo pode decidir pagar apenas após a homologação [da cessão de créditos]. Mas existem casos em que a pessoa precisa do dinheiro com urgência. Essa instabilidade prejudica o mercado e gera um deságio maior”, diz Rodrigo Valverde, sócio-fundador da Pro Solutti, gestora de ativos judiciais que, em parceria com um fundo de direitos creditórios, direcionou R$ 100 milhões para créditos trabalhistas.
Para Valverde, a decisão recente do ministro Douglas Rodrigues dá mais segurança aos investidores. “Mas o ideal seria que houvesse uma uniformização da Justiça do Trabalho aceitando a cessão. Até porque existe lei que permite”, diz.
Na decisão, publicada ontem, o ministro do TST entendeu que os provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho servem para orientar a atuação administrativa dos órgãos judiciários e “não podem ser interpretados e aplicados para afastar a vigência das normas do Código Civil brasileiro ao universo das relações de trabalho”.
O ministro ainda ressalta que a Lei nº 14.112/2020 revogou dispositivo da Lei de Recuperação Judicial e Falência (nº 11.101/2005) que tratava da cessão de créditos trabalhistas (parágrafo do artigo 83), mas incluiu no texto que “os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação”. “Desse modo, cabe afirmar que a cessão de crédito trabalhista é plenamente possível”, diz.
A decisão foi dada em recurso de uma adquirente de créditos trabalhistas contra acórdão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Pernambuco. Para o TRT é pacífico na jurisprudência, tanto regional quanto do TST, a impossibilidade de aplicação do artigo 286 do Código Civil na Justiça do Trabalho.
Apesar de ter entendimento favorável à cessão de direitos, o ministro, porém, não concedeu o pedido por questões processuais. O advogado do caso não transcreveu no recurso os trechos da decisão questionada – como prevê o artigo 896, parágrafo 1º-A, inciso IV, da CLT (processo nº 820-23.2015.5.06.0221-6680319).
O tema é polêmico no TST e tempos atrás os ministros em geral eram contrários à ideia de cessão de direitos, segundo o expresidente da Corte, Antonio José de Barros Levenhagen, hoje sócio do Chiode Minicucci Advogados. “Na minha época os ministros eram muito refratários a admitir a cessão de créditos, por considerarem os direitos trabalhistas irrenunciáveis”, diz.
Ele afirma, contudo, que chegou a proferir decisões favoráveis, com o entendimento de que os direitos são irrenunciáveis apenas no curso da ação judicial. “Após a sentença condenatória, perde esse caráter de irrenunciabilidade.”
Daniel Chiode, também sócio do Chiode Minicucci Advogados, considera a decisão do TST importante por sinalizar ao mercado que há um entendimento consistente. “Desde que o empregado tenha plena consciência do que está fazendo, é um mercado seguro para quem vende e para quem compra”, diz. Ele acrescenta que os provimentos da corregedoria não podem extrapolar o que diz o Código Civil.
A operação, na opinião do advogado, é benéfica para todos. Para o trabalhador que, apesar de vender o crédito com deságio, tem o dinheiro mais rapidamente nas mãos. E para os fundos de investimento, que fazem a análise do crédito e das chances de sucesso e podem receber o valor integral no fim do processo. “Porém, se a jurisprudência mudar, se ele perder o processo, se a empresa devedora ficar insolvente, o risco é todo dele [do fundo]”, afirma.
Juliana Bracks, do Bracks Advogados, concorda que depois que a ação foi ajuizada não existe irrenunciabilidade de direitos. “Tanto é assim que o trabalhador pode desistir do processo, fazer acordo e se vier a morrer, seus créditos passam para os herdeiros”, diz. Por isso, acrescenta, é viável a cessão de créditos, desde que seja feita com transparência, sem fraude. “Há trabalhador que não tem condições de esperar dez anos para receber, lembrando que nesse período a empresa pode quebrar.”
Fonte: Valor Econômico
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