3ª Turma do TST Reconhece férias proporcionais em caso de dispensa por justa causa
- Atualização Trabalhista
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A turma aplicou a C. 132 da OIT, em controle de convencionalidade, aplicando a técnica do overruling. O fundamento foi que a C. da OIT é norma internacional de direitos humanos, de caráter supralegal, incompatível com a norma infraconstitucional, que deve ser afastada em razão da progressividade dos direitos sociais e da vedação do retrocesso .
1. A questão tratada nos autos diz respeito ao direito do empregado, dispensado por justa causa, ao pagamento de férias proporcionais.
2. Esta Corte, por meio da Súmula nº 171, firmou entendimento de que, ‘salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses (art. 147 da CLT)’. Esse verbete está em consonância com o disposto no art. 146 da CLT, parágrafo único – que afasta o direito às férias proporcionais do empregado dispensado por justa causa.
3. Nada obstante, o entendimento expresso na Súmula nº 171 do TST, no que se refere ao empregado dispensado com justa causa, merece ser superado.
4. O Estado Brasileiro ratificou a Convenção nº 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi incorporada ao ordenamento jurídico através do Decreto nº 3.197/1999. Com a consolidação das Convenções e Recomendações da OIT ratificadas pelo país no Decreto nº 10.088, de 2019, hoje a Convenção nº 132 se encontra no seu Anexo LXVI.
5. Para o deslinde da controvérsia, importa notar que o art. 3º da Convenção nº 132 da OIT estabelece o direito a férias anuais remuneradas – com duração mínima de três semanas por ano de serviço. O art. 4º da Convenção nº 132 da OIT, por sua vez, dispõe que ‘Toda pessoa que tenha completado, no curso de 1 (um) ano determinado, um período de serviço de duração inferior ao período necessário à obtenção de direito à totalidade das férias prescritas no Artigo terceiro acima terá direito, nesse ano, a férias de duração proporcionalmente reduzidas’. Essa disposição prevê aos trabalhadores dos países signatários o direito às férias proporcionais quando não se completa o ano de serviço, sem qualquer restrição relativa à forma de extinção contratual ou de qualquer outra espécie.
6. A disposição do parágrafo único do art. 146 da CLT e o entendimento expresso na Súmula nº 171 do TST aparenta, assim, conflitar com o art. 4º da Convenção nº 132 da Organização Internacional do Trabalho.
7. Diante desse conflito, há de se considerar os seguintes aspectos, que decorrem da interação de normas internacionais e nacionais. A partir da ratificação de qualquer convenção internacional, o Brasil tem um compromisso de adotar medidas para efetivá-la frente à ordem internacional. Nesse sentido, Balazeiro, Rocha, Santana e Noé de Castro (no prelo) asseveram que: ‘o direito internacional se estrutura no princípio do pacta sunt servanda, que corresponde ao dever de membros de tratados de cumpri-los de boa-fé, não podendo invocar disposições de direito interno para descumpri-los (arts. 26 e 27 da Convenção de Viena). Os diplomas basilares de direitos humanos, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Protocolo de San Salvador estabelecem que os Estados se obrigam a efetivar os direitos previstos nesses tratados, através de adoção de medidas legislativas ou de outra natureza’. Também importa notar que o Constituinte brasileiro fez a opção de estabelecer um cláusula aberta à recepção de diplomas internacionais de direitos humanos (art. 5º, §§2º e 3º da Constituição Federal). Assim, os tratados sobre direitos humanos se incorporam ao ordenamento jurídico interno em posição privilegiada frente às demais normas infraconstitucionais, servindo, inclusive, de parâmetro de controle, ainda que não tenham sido ratificadas na forma especial do §3º do art. 5º da Constituição Federal (RE 466.343). Com efeito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tem instigado os países membros a realizarem o controle de convencionalidade pelas autoridades internas do país (a incluir o Poder Judiciário) com o fito de dar efetividade aos direitos encampados em tratados de direitos humanos (Vide os Casos Gelman Vs Uruguay, Gomes Lund e outros vs Brasil, Almonacid Arellano e outros vs Chile). Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação nº 123 de 2022 que estimula os órgãos do Poder Judiciário a observar os tratados e convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil, a utilizar jurisprudência da CIDH e a realizar o controle de convencionalidade das leis internas.
8. Outro aspecto que merece destaque é o caráter progressivo dos direitos sociais, como os trabalhistas. A progressividade está estampada no Protocolo de San Salvador (art. 1º), na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 26), no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 2º) e reflete a ideia de que os Países têm o compromisso de ampliar a efetividade dos direitos sociais, sendo inadmissível o retrocesso. Essa característica dos direitos sociais está presente na Constituição Federal, que, no seu art.
7º, cabeça, prevê que há um conjunto de direitos mínimos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.
9. Dessa forma, considerando (i) a prevalência das normas internacionais de direitos humanos incorporadas no ordenamento pátrio, como a Convenção nº 132 da OIT, (ii) a maior amplitude do teor do art. 4º da Convenção nº 132 da OIT quanto ao direito às férias proporcionais e (iii) o caráter progressivo dos direitos sociais, há de se declarar a incompatibilidade do parágrafo único do art. 146 da CLT com a indicada norma internacional ratificada, no que se refere à exclusão do empregado dispensado com justa causa.
10. Diante do que aqui fora apresentado, não há como aceitar o entendimento que afaste o direito às férias proporcionais dos empregados dispensados por justa causa, como a que está posta na Súmula nº 171 do TST. Assim sendo, o equacionamento regional, que mantém o direito às férias proporcionais do empregado dispensado com justa causa, está de acordo com o aqui se assenta e com a Convenção nº 132 da OIT, não comportando qualquer reforma o acórdão regional nesse aspecto. Recurso de revista de que não se conhece. [...]”
(TSTRR-0020833-77.2023.5.04.0234, 3ª Turma, rel. Min. Alberto Bastos Balazeiro, julgado em 27/8/2025)
Fonte: TST