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  • Foto do escritorJoão Carlos Garcia

ARTIGO: A Constitucionalidade do Art. 793-D da CLT à luz do Princípio da Colaboração

por Fabiano Fernandes Luzes e Maurício Madeu


1 - Introdução


A abordagem de aspectos sobre ética nas relações pessoais vem ganhando corpo e relevância nos últimos anos, seja no aspecto político, seja nas relações pessoais mais simples que os sujeitos realizam diariamente, seja ainda numa análise mais ampla, pautada na lógica “de que país queremos para o futuro”.


Debate semelhante ganha espaço quando trazemos a análise para a realidade do Poder Judiciário, e a necessidade de solução de conflitos. Isso porque, diante da real incapacidade apresentada pela sociedade de resolver seus conflitos, o Poder Judiciário é chamado rotineiramente para participar desta referida pacificação social, impondo a solução para a controvérsia posta.


Dado que a atuação do Poder Judiciário acaba por ser um efetivo Ato de Império, impondo aqueles agentes a solução, a relevância do material instrutório produzido é mandamental para que se viabilize a busca da solução justa.


As perguntas que precisamos fazer são: Como alcançar uma verdade processual mais próxima da realidade fática? Como impor aos sujeitos processuais o dever de atuação ética, e o dever de atuação em efetiva cooperação?

É importante pontuar, desde já, que o objeto principal a ser tutelado é, de forma imediata, a busca da verdade, e de forma mediata a própria moralidade social. Neste caminhar, se destaca a distinção clara entre os fenômenos da inverdade culposa e da inverdade dolosa. Enquanto a primeira decorre de uma análise equivocada de determinados fatos, não sendo este fenômeno o objeto central do debate, a segunda é amparada pela premissa predeterminada pelo sujeito de alterar maliciosamente o fato efetivamente ocorrido, ou seja, ciente da verdade real, mudar de forma proposital os referidos fatos, objetivando com isso influenciar decisivamente na inadequada apreciação por parte do Estado Juiz, o que pode levar à materialização da injustiça no caso concreto.


Nesta perspectiva, o presente artigo tem como objetivo debater não apenas a constitucionalidade do art. 793- D, da CLT à luz do princípio da cooperação (colaboração), na visão moderna do devido processo legal, mas principalmente sua relevância como meio de inibir condutas inaceitáveis, possibilitando assim a sua correta e eventual aplicação na busca do processo justo e ético.

2 – Da Eticidade e do Devido Processo Legal


É exigência mandamental para todos aqueles que atuam no processo a contribuição na busca da prestação jurisdicional, devendo em paralelo o Estado conferir poderes ao magistrado, para que este possa exigir uma postura ética de todos os sujeitos processuais, estando toda esta sistemática inserida na lógica do princípio do devido processo legal.


O dever de lealdade não pode ser analisado de forma restrita às partes, devendo alcançar todos os sujeitos processuais. Tal análise ganha contornos especiais quando verificamos a nova redação do art. 6º, NCPC, que estabelece de forma clara que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Tal redação culmina por trazer algumas premissas relevantes, quais sejam: ultrapassamos a lógica de partes processuais, para passar a alcançar a lógica ampliativa de sujeitos processuais; institui de forma literal o princípio da cooperação; destaca que a atuação de todos os agentes processuais é meio hábil para uma decisão razoável, justa e efetiva.


Nesta linha, é importante destacar a seguinte abordagem trazida na obra clássica Teoria Geral do Processo: “Sendo o processo, por sua índole, eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele faltando ao dever de verdade ou por qualquer outro modo agindo deslealmente e empregando artifícios fraudulentos. Já vimos que o processo é instrumento posto à disposição das partes não somente para a eliminação de seus conflitos e para que possam obter resposta às suas pretensões, mas também para a pacificação geral na sociedade e a atuação do direito. Diante dessas suas finalidades, que lhe outorgam profunda inserção sociopolítica, deve ele revestir-se de uma dignidade que corresponda a seus fins. O princípio que impõe esses deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo (partes, juízes, auxiliares da justiça, advogados, e membros do Ministério Público) denomina-se princípio da lealdade processual”.

Se o magistrado não possuir instrumentos para impor uma postura ética às partes e também a todos que atuam no processo, é certo que a justa composição da lide será uma promessa retórica, que jamais atingirá o seu objetivo. A finalidade da lei não é simplesmente a solução de uma determinada relação jurídica posta, mas principalmente assegurar a dignidade processual, sendo nosso ordenamento instrumental apto à materialização da justiça, o que não pode ficar restrito às partes, devendo obrigatoriamente atingir todos os sujeitos que podem influenciar na decisão a ser prolatada.


No processo do trabalho, em virtude do princípio da concentração de atos em audiência, a prova oral acaba por ser essencial para que o juiz possa atingir, ou possa se aproximar o máximo possível, da verdade dos fatos. A questão não tangencia aspectos ideológicos, como defendem alguns doutrinadores, segundo uma lógica de nova tentativa do legislador de prejudicar o trabalhador. Isso porque o real prejudicado com a fragilidade da prova oral é, em uma primeira perspectiva, o litigante ético, que não se propõe a utilizar da manipulação da prova testemunhal para obter, a qualquer custo, a vitória na demanda. Por outro lado, em uma perspectiva mais alargada, o prejudicado é o Próprio Estado, e reflexamente a própria sociedade, que observa a sistemática ocorrência de soluções processuais pelo Estado-Juiz amparadas em um conjunto de inverdades dolosamente manipuladas, fazendo com que a decisão mais justa não seja alcançada, e viabilizando o contínuo questionamento da justeza das decisões proferidas.

Aliás, é importante destacar que a perspectiva de exigência da verdade, bem como das penalidades que podem ocorrer pela atitude dolosa de fraudar tal verdade, não é um privilégio do empregado, alcançando também o empregador, dado que ambos podem se utilizar desta manipulação para tentar obter vantagens indevidas, e assim, ambos podem ser penalizados quando manifesta for a intenção de falsear dolosamente a verdade.


O legislador detectou, com o passar do tempo, um problema crônico e sistemático em relação à moralidade no processo do trabalho, que nada mais é que um reflexo do que acontece no cotidiano de diversas outras relações tidas em nossa sociedade, e atribuiu maiores poderes ao magistrado para impor a ética processual.


Não podemos perder de vista que o devido processo legal é originário do direito inglês (Magna Carta das Liberdades – 1.215) e, portanto, tem suas raízes vincadas nas sociedades regidas pelo “common law”. Não é por outro motivo que a Constituição Americana foi uma das primeiras a prever o devido processo legal como um princípio essencial para o Estado Democrático de Direito.


É interessante observar que na sociedade americana, a busca da verdade real alcança contornos mais alargados, prevendo, a título de exemplo, o Tipo Penal de Perjúrio, que elastece o dever de falar a verdade para todos, inclusive as partes e eventuais auxiliares do juízo. Ou seja, temos uma sistemática processual que busca alcançar a verdade fática ocorrida, apontando meios coercitivos contra aqueles que busquem apontar inverdade dolosas em juízo.


Partindo destas premissas iniciais, não há como se afastar da análise dos poderes atribuídos ao magistrado americano para verificar se efetivamente o poder de polícia dado ao magistrado brasileiro possa ser considerado um desrespeito ao devido processo legal.

O magistrado tem a obrigação de compor de forma justa o conflito em sociedade, objetivando a melhor solução possível para o caso concreto. Na busca deste objetivo é evidente que ele deve ter poderes para que possa exigir determinada conduta das partes e de todos os que participam do processo, sem que isso implique quebra do princípio do contraditório e da ampla defesa.


Aliás, os princípios do contraditório e da ampla defesa não são mais importantes do que o princípio da colaboração, que passou a integrar também o devido processo legal moderno, de modo a tornar essencial que toda sociedade colabore com o Poder Judiciário na busca da melhor solução do conflito em sociedade.


3 – Da evolução legislativa e da extensão do dever de eticidade a todos os sujeitos da relação processual


O CPC de 2.015 ampliou consideravelmente o poder de polícia do magistrado, porque observou a impossibilidade ou a dificuldade de impor condutas éticas na sociedade, sem conceder ao magistrado a possibilidade de punição de qualquer um que se desvie do comportamento ético exigível. Há uma reação justa da sociedade no sentido de exigir maior efetividade na atuação do magistrado, o que passa necessariamente pela ampliação do poder de polícia de quem dirige o processo de forma imparcial.


Como pontua Daniel Amorim Assumpção Neves, a boa-fé passou a ser uma norma geral de direito processual que exige uma postura ética não só das partes, mas de todos que de alguma forma participam do processo: “O art. 5º do Novo CPC consagra os princípios da lealdade e boa-fé processual ao prever que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. O dispositivo é interessante porque não se limita a exigir conduta proba somente das partes, mas de todos os que de alguma forma participam do processo. O dispositivo não conceitua a boa-fé, de modo que o Novo

Código de Processo Civil segue a tradição do CPC/1973 no sentido de se limitar os atos que atentam contra tal princípio, prevendo a devida sanção”. Como destaca o referido autor mais adiante a sanção também é essencial para fazer cumprir a referida promessa.


Neste sentido, a exigência de postura ética não se restringe às partes, se estendendo a todos que participam da relação processual analisada. O legislador observou que o magistrado não atingiria o objetivo de compor com justiça a lide, se não lhe assegurasse poder para exigir a colaboração efetiva de todos que atuam no processo. É evidente que esta exigência só poderia se efetivar com a ocorrência de previsão de penalidade para quem venha a se desviar da conduta esperada de todos em juízo.


Nesse sentido, o art. 77 do CPC passou a exigir de todos que participam no processo (testemunha, partes, peritos, advogados e magistrados) um rol de deveres, com possibilidade de penalização de todos que se desviem do caminho ético.


Dentro desta perspectiva, é importante esclarecer que o próprio magistrado se encontra no rol de sujeitos processuais que devem se comportar com o dever ético, respeitando à lógica da boa-fé objetiva, estando estes também sujeitos a sanções específicas, como responder por perdas e danos se o ato lesivo praticado for praticado com dolo ou mediante fraude.


Quanto aos advogados, também é importante destacar que o art. 32, L. 8.906/94, que estabelece a possível responsabilidade deste agente auxiliar da justiça quando atuar com dolo ou culpa no exercício da profissão, incluindo nas hipóteses a possível lide temerária.


Quando analisamos tratados internacionais que tangenciam o tema, podemos observar que quando se trata do assunto “garantias judicias”, a premissa básica a ser buscada é a plena possibilidade de as partes terem a sua disposição um juízo imparcial e previamente estabelecido. Por outro lado, tal direito deve ser realizado nos limites da eticidade. Vemos, por exemplo, que o art. 8, item 2, f, Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece a possibilidade de utilização de testemunhas, que possam “lançar luz sobre os fatos”, ou seja, trazer aspectos fáticos e reais sobre o tema debatido. Soma-se a esta previsão o descrito no art. 19, item 3, b, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que estabelece a obrigação de salvaguarda dos interesses do Estado, inserido neste a moral pública, que alcança a ocorrência de falseio de testemunho em processos trabalhistas. Fechando alguns aspectos dos tratados internacionais, é importante destacar o conteúdo do art. 29, item 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aponta de forma clara que “no exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática”. Por todas as disposições aqui tratadas, vemos que os tratados internacionais asseveram o dever de respeito às exigências morais e o bem-estar da sociedade, estando nesta o dever da testemunha de falar apenas a verdade.


O importante a ser observado é que o objetivo central do legislador não é punir os sujeitos processuais por qualquer ato, mas sim penalizar quando este ato seja eivado de algo maléfico ao nosso estrato social, algo que não se espera das pessoas, algo que prejudica não apenas a parte processual adversa mas também toda a sociedade. Isso porque ao buscar utilizar o Estado, através do Poder Judiciário, para cometer injustiça, acaba por macular as decisões provenientes deste Poder, trazendo assim efetiva insegurança justiça, além de estimular que toda demanda trazida para análise pelo Poder Judiciário possua testemunhas descompromissadas com a verdade, pela indevida certeza de impunidade.

4 – Da redação do art. 793-D, CLT e de sua Constitucionalidade


A Lei 13.467/2017, em inovação legislativa que internalizou premissa já existente no Processo Civil, introduziu o art. 793-D, CLT, que possui a seguinte redação: “Aplica-se a multa prevista no art. 793-C desta Consolidação à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa”. Importante esclarecer que o art. 793-C, CLT apresenta a seguinte redação: “De ofício ou a requerimento, o juízo condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.” 


A indagação que se faz é se o art. 793-D da CLT se configura uma inovação específica do processo do trabalho, ou se a aplicação de multa a qualquer pessoa que participava no processo, incluindo a testemunha, já estava prevista no CPC de 2.015? É constitucional sua previsão?

Quando tratamos do tema pela lógica da Constituição Federal, devemos observar que ao longo de seu texto, diversos são os exemplos que tratam do tema ética, como sendo algo a ser buscado pela sociedade.


Quando analisamos o Preâmbulo da Constituição, vemos lá de forma clara “... e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna...”, o que já permite concluir que a Sociedade busca uma justiça fática, real, e não apenas processual, formalística. Seguindo o texto constitucional, temos dentre os fundamentos da República a cidadania e a dignidade da pessoa humana, que também trazem em seu interior a lógica da ética em seu interior. No art. 37, CRFB/88, que trata de forma específica da Administração Pública, temos de forma literal o princípio da moralidade, que também possui em seu interior a lógica da ética.


A resposta, pela lógica da legalidade, se encontra inicialmente na literalidade do CPC de 2.015. O dever de lealdade processual se estende a todos que participam do processo e, exceto em relação aos advogados, à defensoria pública e ao Ministério Público, todos os demais que atuam no processo já estavam sujeitos à aplicação de penalidade nos casos de descumprimento dos deveres impostos nos incisos IV e VI do art. 77 do CPC, vale dizer, quando não “cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação” ou “não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.”.


Ora, é evidente que a testemunha que dolosamente altera a verdade dos fatos cria embaraço na efetivação prestação jurisdicional e, portanto, já poderia ser multada em decorrência deste procedimento irregular de acordo com o CPC de 2.015, por aplicação autorizada pelo art. 769, CLT, bem como art. 15, NCPC.


Com efeito, o art. 793-D da CLT não inovou no direito processual nacional ao permitir a aplicação de penalidade processual a testemunha que alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa.


É certo que a denominada “reforma trabalhista” acabou por estabelecer algumas inovações bastante discutíveis, todavia, em relação a ampliação do poder de polícia do magistrado para que ele possa materializar a ética processual, não se trata de nenhuma inovação, mas apenas de ratificação da mais moderna doutrina do direito processual, que passou a vislumbrar na aplicação do princípio da colaboração algo essencial para a justa composição da lide.


No mesmo sentido, o art. 139, inciso IV, do CPC, também atribuiu amplos poderes genéricos ao magistrado para obtenção e cumprimento de determinações judiciais, destacando a possibilidade de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.


O dispositivo legal analisado tem como objetivo atribuir amplo poder genérico ao magistrado para que ele possa cumprir com correção a entrega da prestação jurisdicional. O magistrado pode, portanto, exigir condutas específicas das partes e de todos que participam do processo para que contribuam na entrega da prestação jurisdicional.


O poder de polícia genericamente assegurado ao magistrado também está expressamente previsto no art. 139, inciso VII, do CPC. É impensável exigir que o magistrado faça cumprir o dever de conduta ética de todos que participam do processo sem lhe atribuir poderes de polícia para que ele possa fazer cumprir a referida promessa.


A promessa de um processo ético, amparado no princípio da colaboração, está inserido no princípio constitucional do devido processo legal que possui o mesmo grau de importância que o princípio do contraditório e da ampla defesa. Um não exclui o outro, ao revés, devem ser princípios complementares.


A alegação de que a aplicação de multa à testemunha que dolosamente altera a verdade dos fatos estaria a ferir o princípio do contraditório e da ampla defesa, despreza, com todo respeito, a importância do princípio da colaboração no moderno direito processual, sem o qual o devido processo legal não cumprirá a sua promessa de compor a lide com justiça. Desconsidera também que cumpre ao magistrado a busca da verdade real, inclusive sobre a informação prestada por testemunhas que indicam aspectos fáticos contraditórios, e nesta linha, é facultado ao magistrado o uso do instituto da acareação, momento em que contrapõe as alegações das testemunhas, oportunizando a estas que indiquem as razões das alegações, ou mesmo que possam realizar o juízo de retratação.


Não podemos desconsiderar, por outro lado, que o magistrado, no uso do poder de polícia, pode agir arbitrariamente, todavia, o direito estabelece várias possibilidades de correção desta conduta irregular do magistrado.


Em primeiro lugar, o fato de o magistrado estar autorizado a executar nos próprios autos a multa aplicada à testemunha não implica reconhecer que não se possa discutir a legalidade da atuação do magistrado. Trata-se de multa processual de cunho administrativo e que tem a mesma natureza jurídica da multa prevista no art. 730 da CLT. A única inovação legal está na permissão de execução imediata da multa, o que alguns já entendiam possível em relação à multa do art. 730 da CLT, todavia não nos parece que esta inovação possa levar ao reconhecimento de inconstitucionalidade do art. 793-D da CLT, até mesmo porque caberia em qualquer hipótese uma interpretação conforme à Constituição Federal.


O magistrado pode impor multa às partes ou a terceiros para o cumprimento de obrigações que auxiliem na correta prestação jurisdicional, sendo que tais poderes não podem ser inquinados de inconstitucionais. O direito norte-americano, berço do devido processo legal, atribui poder de polícia muito mais amplo aos magistrados em comparação com o que prevê o direito nacional, sem que se cogite qualquer violação ao princípio do devido processual legal, justamente porque se compreende que o referido poder é essencial para que ele possa bem cumprir o seu mister.


É interessante observar que muitos juristas pátrios questionam a pouca efetividade das decisões judiciais proferidas pelos magistrados brasileiros, mas não atentam ao fato de que o legislador, dificilmente, oferece instrumentos efetivos para que o juiz consiga impor uma postura ética a todos que participam do processo. Assim, é possível concluir que o Poder de Polícia do magistrado brasileiro é bastante mitigado, o que ajuda a explicar a cautela excessiva da doutrina quando se oferece ao magistrado o poder de exigir posturas éticas aos que participam do processo, sob pena de sanção. Acostumamo-nos com o magistrado inerte, com as mãos amarradas que ficam pregando no deserto a favor do cumprimento das suas decisões, ou procurando exigir postura ética de todos sem qualquer instrumento mais efetivo para obrigar ao cumprimento deste desiderato.

Vale ainda a seguinte reflexão: na ausência de medidas contundentes, que efetivamente fomentam um ambiente de descaso com a verdade, e havendo determinado processo julgado de forma prejudicial em favor de uma parte que teve como grande relevância o conteúdo trazido por determinada testemunha que falseou a verdade; após o trânsito em julgado, e decorrido o prazo de 2 anos, a parte prejudicada consegue elementos que denotam que aquela testemunha falseou dolosamente a verdade; neste cenário, qual seria o meio hábil para compensar esta parte prejudicada? Não seria mais razoável nosso ordenamento ser amparado por critérios estabelecidos, com ciência por todos os sujeitos processuais, que suas condutas podem efetivamente ser severamente sancionadas? Mais ainda, assim ocorrendo, não teríamos um autêntico desestímulo à ocorrência de inverdades dolosas?


É salutar que o magistrado atue com máxima cautela na aplicação de penalidades em geral, devendo sempre que possível dar oportunidade para a testemunha se retratar ou se explicar quando se deparar com uma suposta alteração da verdade dos fatos, todavia não se pode jogar fora a oportunidade de exigir-se maior ética no direito processual, sob o argumento de que o magistrado poderá abusar do seu poder. O direito brasileiro estabelece vários instrumentos para corrigir abusos ou arbitrariedades, desde a possibilidade ampla de recursos, como também várias ações próprias com o mesmo objetivo, como o Mandado de Segurança.


Na situação concreta, o juiz deve intimar a testemunha da aplicação da penalidade, que deverá sempre ser realizada na sentença. Assim, processualmente, passa a testemunha a ter interesse processual próprio, havendo assim a oportunidade desta fazer uso dos meios recursais adequados para enfrentamento pelo juízo “ad quem” a respeito desta condenação, inclusive autorizado a assim proceder pelo art. 996, NCPC, nada impedindo o ajuizamento de Mandado de Segurança para desconstituir a decisão judicial que reconheceu a sua responsabilidade processual.


Também vale destacar que a possível ocorrência de aplicação de multa à testemunha, não pode estar destituída de fundamentação própria, onde deverá o magistrado destacar seu livre convencimento motivado, ou seja, apontar os fatos que o levaram à conclusão de que esteve diante de testemunha que dolosamente alterou a verdade dos fatos, materializando o conteúdo descrito no art. 489, NCPC.


Desta forma, a multa processual aplicada à testemunha não fere o princípio do contraditório e da ampla defesa, porque existem vários instrumentos que podem coibir ou evitar a eventual arbitrariedade na atuação do magistrado.


Inclusive é bastante defensável que a decisão judicial que a reconheça fique sujeita à anulação na forma do art. 966, § 4º, do CPC. O referido entendimento é esboçado por Flávio Cheim Jorge, para quem os auxiliares da justiça em geral podem se valer de ação autônoma para discussão de prejuízo causado por decisão judicial.


A preocupação em torno do desrespeito ao contraditório e a ampla defesa fica bastante mitigada a partir do momento em que o poder de polícia do magistrado (poder de natureza administrativa) se submete ao controle jurisdicional através não só da possibilidade de recurso à instância superior, como também em ação própria para anulação do ato judicial praticado e, dependendo da situação, através até de mandado de segurança. Logo, se nosso ordenamento prevê todas as hipóteses aqui narradas, sem desconsiderar a própria dinâmica da audiência onde ocorra a colheita da prova testemunhal, em que é alertado sobre o dever de falar a verdade, a possibilidade de acareação, e ainda a possibilidade de retratação até a prolação da sentença, como seria possível alegar violação à ocorrência da ampla defesa, do exercício do contraditório, e mesmo o devido processo legal?


Não há que se falar também em eventual dupla penalidade pelo fato de o ato doloso de fazer afirmação falsa ou calar a verdade como testemunha já configurar crime, porque é pacífico na doutrina mais abalizada que as responsabilidades civil, administrativa e penal são independentes. Na lição clássica do saudoso Hely Lopes Meirelles: “Essas três responsabilidades são independentes e podem ser apuradas conjunta ou separadamente. A condenação criminal implica, entretanto, o reconhecimento automático das outras, porque o ilícito penal é mais que o ilícito administrativo e o ilícito civil. Assim, a condenação criminal por um delito funcional importa o reconhecimento, também, de culpa administrativa e civil, mas a absolvição no crime nem sempre isenta o servidor destas responsabilidades, porque pode não haver ilícito penal e existir administrativo e civil.”. O art. 77, § 2º, do CPC é expresso nesse sentido, seguindo a clássica diferenciação entre as responsabilidades civis, administrativas e penais, ratifica a inteligência de que não há dupla ou tripla penalidade na aplicação de sanções de naturezas jurídicas diversas.


Finalmente, o fato de a legislação não estabelecer expressamente o contraditório prévio para aplicação da multa à testemunha, não impede que o magistrado dê oportunidade para a testemunha explicar o ocorrido, ou ainda, é até recomendável que o magistrado sempre alerte a testemunha quando se deparar com uma informação aparentemente inverídica, para que ela possa apresentar uma explicação plausível e inclusive tenha a oportunidade de retratar-se. De igual sorte, é salutar oportunizar que as partes eventualmente contraditórias em suas falas possam apresentar documentação no processo, e assim, parece salutar o arbitramento de prazo para que sejam ofertados elementos probatórios sobre as alegações, o que pode, inclusive, viabilizar a conversão do feito em diligência por parte do juiz, visando buscar a verdade real que circunda determinada demanda posta.


Tal postura do magistrado se alinha ao princípio da colaboração e deve ser observado, de modo a aplicar a inovação legislativa de forma democrática e transparente, todavia, não é justificativa para entender que a possibilidade de aplicação de penalidade possa ser considerada genericamente inconstitucional, se o contraditório e a ampla defesa podem sim ser respeitados com a utilização de vários instrumentos que coíbem a eventual arbitrariedade do magistrado. Por outro lado, retirar do magistrado o poder de polícia essencial para exigir conduta ética das partes representará, sem dúvida, a perda de uma grande oportunidade de mudança na conduta de todos que participam do processo.


5 – Conclusão


Buscamos, em poucas linhas, trazer o debate sobre a aplicação de penalidades às testemunhas na dinâmica posta pelo Processo do Trabalho.


É interessante observar que vozes da doutrina questionam a possibilidade de aplicação da penalidade do art. 793-D, CLT, amparado na premissa de uma possível má interpretação do magistrado. Entretanto, deixam de lado que este mesmo magistrado tem o poder-dever de julgar a demanda posta, de decidir a vida das pessoas segundo seu livre convencimento motivado. Assim, parece contraditório, em nossa perspectiva, que o magistrado tenha plena capacidade para a solução da lide principal, mas não tenha capacidade cognitiva de verificar realmente se estamos diante de uma inverdade dolosa ou uma inverdade culposa, sem falar que este mesmo magistrado possui todos os poderes que lhe são conferidos pelo art. 765, CLT, o que lhe permite a feitura de acareação, abertura de prazo para apresentação de provas sobre as afirmações, conversão em possíveis diligências, dentre outras possibilidades.


Dentro desta logica, o que merece efetiva reflexão por todos é até que ponto a dinâmica atual, eivada de vícios manifestos de ética, onde a mentira é algo aceitável, deve ser mantida.

Vivenciamos um momento de intensa reflexão social sobre o aspecto ético das relações, onde não parece adequado deixarmos de lado tal debate no interior da seara do Processo do Trabalho, agindo em uma autentica “cegueira deliberada”. Não podemos simplesmente fingir que a temática não existe, e mais, precisamos ter coragem para enfrentamento do tema, seja para que as decisões proferidas alcancem com mais regularidade a justiça esperada, seja para que a sociedade brasileira volte a respeitar decisões judiciais.


Devemos atentar que a possibilidade de aplicação de penalidades não fica estrita aos limites processuais. Trata-se de situação que possui efetivo teor pedagógico às partes

que participam daquele processo, mas também a todo aquele que seja convidado a prestar este serviço público de grande valia em outros processos, passando não apenas a ter o dever moral e legal de falar a verdade, mas passam a ponderar que a ocorrência de falso testemunho poderá lhe impor uma sanção pecuniária.


Temos a opção de enfrentar o tema de mente aberta, temos o dever de materializar os mandamentos constitucionais na seara processual, inclusive no campo da ética, e temos o dever de deixar para as gerações vindouras um meio social menos contaminado, mais digno, melhor para se viver e se orgulhar.


Cumpre a cada um fazer a sua escolha, ponderando que caminho quer seguir. Já fizemos a nossa. Agora cabe a você, caro leitor, fazer a sua.

6 – Bibliografia


CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 30ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2014. Pp 90-92;

JORGE, Flávio Cheim Teoria Geral dos Recursos Cíveis de acordo com o NCPC. Revista dos Tribunais, 8ª edição, São Paulo, pág. 131/132.

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 19ª edição, 1994, Malheiros Editores, págs. 418/419

Neves, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC – Inovações. Alterações. Supressões. Editora Método, São Paulo, 2.015, pág. 19

SALES, Cleber Martins. Da Responsabilidade por Dano Processual. In: PINHEIRO, Iuri; MIZIARA, Raphael; GASPAR, Danilo; OLIVEIRA, Cinthia M. de (Coordenadores). Reforma Trabalhista e os Novos Direitos Material e Processual do Trabalho; Porto Alegre; Editora Verbo Jurídico. 2017. Pp 403-415;

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BRASIL. Código de Processo Civil (1943). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivIl_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm




Fabiano Fernandes Luzes

Juiz do Trabalho Substituto, emAuxílio fixo das 2ª e 4ª Varas do Trabalho de São Gonçalo - RJ - Mestrando em sociologia e direito pela UFF; pós-graduado em gestão financeira pela UNESA; graduado em economia pela UFF, com mestrado em economia não concluído pela mesma instituição; 15 anos de experiência profissional, atuando como gestor financeiro de empresas.




Maurício Madeu

Juiz Titular da 4ª VT de São Gonçalo, Pós-graduado em direto processual pela UFF.

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