Corte decidiu, por 15 votos a 10, que alterações incidem em contratos que estavam em curso em 2017.
Não há direito adquirido a regime jurídico ou estatuto. Assim, novas normas têm efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Esse entendimento é do Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, que decidiu nesta segunda-feira (25/11) que as mudanças apresentadas pela reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017) incidem também nos contratos que estavam em vigor na data em que a norma entrou em vigência.
Prevaleceu, por 15 a 10, o voto do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, relator do caso e presidente da corte. O ministro Maurício Godinho Delgado abriu a divergência.
A análise do Tema 23 teve como pano de fundo a busca pela resposta à seguinte questão: “Quanto aos direitos laborais decorrentes de lei e pagos no curso do contrato de trabalho, remanesce a obrigação de sua observância ou pagamento nesses contratos em curso, no período posterior à entrada em vigor de lei que os suprime/altera?”.
O tribunal estabeleceu a seguinte tese:
A Lei 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência.
Esse julgamento era um dos mais aguardados do ano na corte trabalhista, pois dizia respeito a uma série de direitos que estavam previstos antes da reforma e deixaram de existir, como horas de deslocamento, intervalos intrajornada, direito à incorporação de gratificação de função e descanso de 15 minutos para mulheres antes da prestação de horas extras.
Segundo o advogado trabalhista Ricardo Calcini, sócio-fundador do escritório Calcini Advogados e professor do Insper, trata-se “do julgamento mais importante desde o advento da Lei 13.467/2017”. “Prevaleceu a tese de que a nova lei seria aplicada indistintamente a todos os contratos em vigor”, comentou ele.
A decisão coloca fim a uma disputa em torno do tema que havia entre as turmas da corte, de acordo com o advogado. A maioria delas entendia que a alteração de 2017 valia para os contratos em curso.
“Prevaleceu o entendimento, já chancelado pela maioria das turmas julgadoras do TST, no sentido de que inexiste direito adquirido frente ao advento de uma nova ordem jurídica.”
O caso
O caso concreto é o de uma trabalhadora que pediu para ser remunerada pelas horas de trajeto no ônibus fornecido pela empresa entre 2013 e 2018. A empregadora alegou que, a partir da reforma de 2017, o tempo de percurso deixou de ser considerado como à disposição do empregador.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e a Central Única dos Trabalhadores participaram do julgamento como amici curiae (amigas da corte).
Em outubro, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga disse em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico que a formação de precedentes é a prioridade de sua gestão e destacou o julgamento sobre direito intertemporal.
“É preciso estabelecer uma cultura do precedente e que isso vá para o inconsciente da própria atividade jurisdicional e da Justiça do Trabalho como um todo, atingindo, inclusive, os beneficiários, os advogados e todos aqueles voltados à atividade jurisdicional. (…) Um (julgamento) que está pendente é a questão do direito intertemporal. A aplicação da Lei da Reforma Trabalhista. E esta já está aguardando designação de pauta para julgamento”, afirmou ele na ocasião.
Voto do relator
Segundo o relator da matéria, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942) define que leis em vigor têm efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
“No Direito brasileiro inexiste direito adquirido a um determinado estatuto legal ou regime jurídico, inclusive aquele que predomina nas relações de emprego”, afirmou o ministro Aloysio em seu voto.
Segundo ele, a nova lei não afetou ajustes feitos entre as partes para manter um direito que era previsto antes da reforma. No entanto, a lei de 2017 teve aplicação imediata.
“Quando o conteúdo de um contrato decorre de lei, a lei nova imperativa se aplica imediatamente aos contratos em curso, quanto a seus fatos pendentes e futuros”, prosseguiu ele.
O relator foi seguido pelos ministros Luiz Philippe Vieira de Mello, Dora Maria da Costa, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Alexandre Agra Belmonte, Douglas Alencar Rodrigues, Maria Cristina Peduzzi, Breno Medeiros, Alexandre Luiz Ramos, Luiz José Dezena da Silva, Evandro Pereira Valadão Lopes, Amaury Rodrigues Pinto Junior, Morgana de Almeida Richa, Sergio Pinto Martins e Ives Gandra da Silva Martins Filho.
Ao acompanhar o relator, o ministro Douglas Alencar Rodrigues afirmou que alterações de bases normativas fazem “nascer um novo conteúdo de direitos e obrigações”.
“O pano de fundo toca ao debate do ato jurídico perfeito. Os contratos firmados antes da lei configuram ato jurídico perfeito? Claro que sim. Mas o conceito de ato jurídico estabelece que é ato jurídico perfeito o já consumado ao tempo que se consumou”, afirmou ele.
Divergência
O ministro Maurício Godinho Delgado abriu a divergência. Segundo ele, o contrato é um negócio jurídico perfeito que deve estar subordinado à lei em curso na época em que foi firmado.
“As normas colhem, sim, as relações jurídicas em curso. O caráter imperativo da legislação se faz sentir para além da vontade dos atores contratuais.”
O magistrado propôs a seguinte tese:
A alteração legislativa introduzida pela Lei nº 13.467/17, que suprime ou modifica direitos trabalhistas, não se aplica aos contratos de trabalho iniciados anteriormente e que estavam em curso na data de vigência da nova lei.
A divergência foi acompanhada pelos ministros Kátia Magalhães Arruda, Augusto César Leite de Carvalho, Freire Pimenta, Delaíde Alves Miranda Arantes, Hugo Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Maria Helena Mallmann, Alberto Bastos Balazeiro e Liana Chaib.
Ao acompanhar a divergência, a ministra Kátia Magalhães Arruda afirmou que disposições previstas em leis novas só incidem em contratos celebrados a partir da sua vigência.
“Um contrato constitui um bloco de cláusulas que não se pode apreciar se não a partir da legislação ao qual foi entabulado. Em matéria de contrato, o princípio da não retroatividade abre espaço ao princípio da proteção.”
Processo 528-80.2018.5.14.0004
Fonte: ConJur
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